A História da Cirurgia Craniofacial no Brasil
Ricardo Cruz, MD e Silvio Zanini, CD, MD
“If we have been able to see further, it is because we stand on the shoulders of those who have gone before us”
Isaac Newton
Homens de Visão
A História da Cirurgia Craniofacial no Brasil também deve ser contada a partir de meados dos anos 60. Nesta época três destacados e eminentes professores de Cirurgia Plástica do nosso país, um do Rio de Janeiro (Prof. Ivo Pitanguy) e dois de São Paulo (Prof. Paulo de Castro Correia e Prof. Victor Spina) puderam vislumbrar a importância que este ramo da especialidade começava a ter no cenário mundial. Como já relatado no início desta publicação, os trabalhos de John Marquis Converse nos Estados Unidos e de Harold Gillies na Europa tiveram repercussão mundial no final dos anos 50.
O Prof. Ivo Pitanguy foi “Visiting Fellow” dos Serviços de Cirurgia Plástica do Dr. John Marquis Converse em Nova York ; do Dr. Harold Gillies no Park Prewet Hospital e no Basingstoke and Rooksdownhouse Hospital em Londres; de Sir Archibald McIndoe no Queen Victoria Hospital também em Londres; e do Dr. Paul Tessier no Hôpital Foche em Ville de Suresnes-França.
Em 1960 a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, através de sua Escola Médica de Pós-Graduação, criou a cadeira de Cirurgia Plástica da PUC-Rio, tendo como Professor-Titular o Dr. Ivo Pitanguy. Iniciou-se neste mesmo ano o Curso de Pós-Graduação Médica em Cirurgia Plástica e o local escolhido para o desenvolvimento das atividades práticas (cirúrgicas) foi a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro onde Dr. Pitanguy já havia fundado a primeira Clínica de Cirurgia de Mão em 1949, na 19ª Enfermaria, e o Serviço de Cirurgia Plástica na 38ª Enfermaria em 1954. Posteriormente organizou e chefiou o Serviço de Queimados por ocasião do incêndio do Gran Circo Norte-Americano em Niterói no ano de 1961. Além da Cirurgia Estética portanto, o Prof. Pitanguy dedicou-se no início de sua carreira basicamente a duas áreas da Cirurgia Plástica Reconstrutiva: Mão e Queimados. A Clínica Ivo Pitanguy foi fundada no ano de 1963.
Edgard Alves Costa era um jovem cirurgião-dentista que se destacava na cidade de Niterói. Ele foi referido e apresentado ao Prof. Ivo Pitanguy pelo Dr. Ronaldo Pontes e desde então o Prof. Edgard Costa esteve sempre trabalhando como consultor em Cirurgia Craniofacial da Clínica Ivo Pitanguy, numa relação profissional que está prestes a completar 40 anos. A exemplo do que ocorreu com Kazanjian e Converse; Costa e Pitanguy puderam construir um extraordinário trabalho, principalmente no campo da traumatologia da face, que rapidamente se popularizou.
As atividades de Cirurgia Plástica na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) iniciaram-se no Hospital de Clínicas no ano de 1944. Somente em 1953, entretanto, foi criada a Disciplina de Cirurgia Plástica e Queimaduras, e o Prof. Victor Spina foi convidado a chefiá-la com o respectivo Serviço de Cirurgia Plástica no Hospital das Clínicas. Em 1956 a Disciplina foi reconhecida pela Educational Foundation of the American Society of Plastic and Reconstructive Surgery e a estrutura do Corpo Docente foi ampliando, integrando-se vários assistentes.
O Prof. Victor Spina chegou a Prof. Adjunto do Departamento de Cirurgia no ano de 1972 e manteve-se na chefia até 1978. Durante a década de 60, em função dos intercâmbios com outras Disciplinas e Departamentos da Faculdade de Medicina, formaram-se em paralelo ao núcleo central da Cirurgia Plástica, outros grupos de atuação sob a responsabilidade de médicos assistentes da Disciplina. Dentre estes havia o Serviço de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, constituído por cirurgiões-dentistas.
Prof. Victor Spina
O Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Clínicas da FMUSP sempre se destacou no atendimento a pacientes portadores de deformidades congênitas. Esta sempre foi uma área de grande interesse para o Prof. Victor Spina na Cirurgia Plástica e que inspirou muitos de seus discípulos, dentre os quais destacava-se um jovem interessado em cirurgia reconstrutiva do esqueleto crânio-facial: o Dr. Jorge Miguel Psillakis.
No ano de 1977 o grupo central da disciplina de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital de Clínicas sob a chefia do Prof Victor Spina contava com o Dr. Diógenes Laércio Rocha que iniciou a organização do Setor de Cirurgia Craniofacial, enquanto o Prof. Jorge Psillakis desenvolveria seu pioneirismo na especialidade dentro do Serviço que fundou na Beneficência Portuguesa de São Paulo.
O Prof. Paulo de Castro Correia foi aos Estados Unidos no ano de 1955, pouco depois do concurso de Livre-Docência que prestara na Universidade de São Paulo, e lá presenciou a inauguração por John Marquis Converse de um Serviço denominado “Instituto para Reabilitação dos Deformados Faciais”. Esta foi a inspiração para criar um projeto semelhante em São Paulo.
Prof. Paulo de Castro Correa
Quando regressou dos Estados Unidos em 1966, o Prof. Paulo Correa lançou a idéia da criação da Associação Paulista para Correção dos Defeitos da Face, após o que iniciou um projeto de arrecadação de fundos para a criação de um Hospital de referência. Desde a obtenção do terreno cedido pela Cruz Vermelha Brasileira até a inauguração do Hospital dos Defeitos da Face no dia 13 de dezembro de 1966, cerca de sete anos se passaram.
Tendo sido criado com o espírito básico do atendimento em caráter multidisciplinar aos seus pacientes, o Hospital dos Defeitos da Face incorporou à sua equipe de atendimento cirurgiões-dentistas indicados pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.
Muitos dos ex-alunos do Prof. Paulo de Castro Correa se interessaram naturalmente, sob sua forte influência, pela Cirurgia Craniofacial, participando ativamente da História da especialidade no país. Dentre eles merece destaque por seu pioneirismo o Dr. José Marcos Melega.
Os Pioneiros
“A Ciência, através dos tempos, é feita aos saltos, mas a partir de conhecimentos armazenados. A história da Cirurgia Craniofacial não foi diferente. A escada estendeu-se degrau por degrau desde a Cirurgia Bucomaxilofacial dos dentistas até a Cirurgia Plástica dos médicos. Aí incorporou conhecimentos da Cirurgia Oncológica de Cabeça e Pescoço, da Otorrinolaringologia, da Oftalmologia, da Traumato-Ortopedia, da Neurocirurgia…”
Silvio Zanini, CD, MD
Alguns pólos distintos foram se criando e deram origem ao desenvolvimento da especialidade em nosso País. Estes pólos tiveram como centro homens que merecem ser citados como os pioneiros da Cirurgia Craniofacial no Brasil.
Oswaldo de Castro era filho de dentista e freqüentava desde criança o consultório do pai. Formado inicialmente em Odontologia, foi discípulo de Laet de Toledo César, um dos pioneiros da Cirurgia Buco-Maxilo-Facial em nosso país. Dr. Laet além de odontólogo era médico e cirurgião de grande habilidade. Posteriormente Dr. Oswaldo foi trabalhar com o ilustre cirurgião plástico, Dr. Roberto Farina e resolveu então estudar Medicina. Formou-se e destacou-se nos anos 60, principalmente no desenvolvimento da Cirurgia Ortognática, tendo desenvolvido técnica cirúrgica para o prognatismo mandibular que leva seu nome e merece citações em todo o mundo.
Dr. Oswaldo de Castro
Dr. Oswaldo de Castro é o decano da especialidade em nosso país e permanece em plena atividade profissional na cidade de São Paulo, ao lado de seu filho, o cirurgião plástico André Parreira de Castro.
Jorge Miguel Psillakis, nasceu em 24 de dezembro de 1934. No ano de 1966, com apenas 31 anos de idade, ao participar de um concurso para Professor Assistente do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo, um paciente com grave deformidade de face foi apresentado ao Dr. Psillakis na prova prática, para ser avaliado. A banca examinadora era constituída por eminentes Professores de Cirurgia nas áreas de Geral, Tórax e Vascular.
Dr. Jorge Miguel Psillakis
Na realidade tratava-se de um paciente com fissura rara craniofacial, cursando com hiperteleorbitismo e traços que sugeriam microssomia hemicraniofacial. O paciente havia sido encaminhado ao Hospital de Clínicas da USP pelo estado de Goiás e era um verdadeiro monstro em sua aparência. O exame clínico foi descrito com minúcias e fêz referencia às deformidades orbitais e do globo ocular; ao aumento da distância orbital (hipertelorismo); à ausência de fossa nasal e do filtrumlabial; à duplicação da ponta nasal; ao palato ogival e à deformidade dos maxilares. Os exames complementares (laboratoriais e radiológicos) também foram apresentados com detalhes.
Ao ser questionado sobre o tratamento, Dr. Psillakis foi obrigado a afirmar que não havia nenhum tratamento até aquele momento que pudesse trazer resultado satisfatório, mesmo quando insistentemente questionado pela banca de ilustres cirurgiões. Este fato foi marcante em sua vida profissional e êle, na época, imaginou que um dia a Medicina poderia ajudar pacientes com anomalias congênitas tão severas quanto aquela. A única coisa que o Dr. Psillakis não imaginou, é que êle teria que esperar muito pouco tempo para ter certeza disso.
No ano seguinte, em 1967, o mundo tomou conhecimento da apresentação fantástica de Paul Tessier durante o Fourth Annual Congress of the International Confederation of Plastic Surgeons, em Roma. Neste mesmo ano publicações do Dr. Tessier chegaram às mãos do Dr. Psillakis no volume 12 da revista Annales de Chirurgie Plastique. Pela primeira vez na história da Medicina equipes de Cirurgia Plástica (Dr. Paul Tessier) e de Neurocirurgia (Dr. Gerard Guiot), se reuniam para abordagem via intra-craniana de deformidades congênitas craniofaciais como o hiperteleorbitismo.
“Foi como uma luz num túnel escuro” sentiu com emoção Dr. Psillakis, recordando-se imediatamente de seu paciente na prova do ano anterior, e que tivera alta, retornando para o interior do estado de Goiás. Dr. Jorge Psillakis encaminhou cópia do trabalho a seu colega de turma na faculdade, especialista em Neurocirurgia, Dr. Walter Carlos Pereira, e que ficou muito interessado no desenvolvimento deste trabalho. As primeiras cirurgias foram em pacientes portadores de meningoencefalocele nasoetmoidal. Tiveram a oportunidade de operar juntos cinco casos, o que lhes deu uma boa visão do tratamento combinado da área nasoetmoidal, da anatomia e do entrosamento entre as equipes cirúrgicas.
Durante dois anos (68 e 69), Dr. Psillakis teve a oportunidade de operar pela técnica de Converse vários pacientes com a distância inter-orbital aumentada (telecanto), complementando a experiência que seria necessária para a cirurgia intracraniana do hiperteleorbitismo. Treinou a técnica intracraniana várias vezes no laboratório de Anatomia, em cadáveres frescos, para conhecer todos os pormenores até que estivesse pronto para realizá-la no primeiro paciente, o que foi efetivamente feito no ano de 1970, com sucesso.
Faz parte de um relato emocionado do Dr. Psillakis no prefácio de seu livro “Cirurgia Craniomaxilofacial: Osteotomia Estéticas da Face”: “Lembro como fiquei maravilhado a primeira vez que mobilizei as órbitas por via craniana em cadáver. Minha admiração por Paul Tessier foi enorme; pela lógica do seu raciocínio ao executar a operação que, de certa maneira, é tão simples, um verdadeiro Ovo de Colombo”
Consta que esta foi a primeira cirurgia realizada na América Latina para tratamento do hiperteleorbitismo. Além dos relatos de Tessier pioneiros no ano de 1964, só haviam descrições deste tipo de cirurgia por Converse nos Estados Unidos e David Mathews na Inglaterra. Esta cirurgia teria também aumentado a confiança do grupo cirúrgico que então operou diversos pacientes com fissuras craniofaciais, disostoses craniofaciais (portadores das Síndromes de Crouzon e Apert), além de seqüelas de fraturas craniofaciais e osteotomias maxilomandibulares para as deformidades dentofaciais.
Em 1972 o Dr. Psillakis defendeu tese de Livre-Docência sobre o tema em questão – Cirurgia Craniofacial – na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Em 1973 foi então convidado pelo Sr. Antonio Ermírio de Morais, para montar um Serviço de Cirurgia Plástica no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, e criou o Instituto de Recuperação Humana, entidade de caráter multidisciplinar que congregava várias especialidades como: Cirurgia Plástica; Neurocirurgia; Oftalmologia; Otorrinolaringologia; Genética Médica; Ortodontia e Ortopedia Maxilar; Odontologia Clínica; Fonoaudiologia; Psicologia e Serviço Social.
A partir de várias publicações científicas, o Serviço do Prof. Psillakis foi se tornando conhecido internacionalmente. O avanço craniofacial em monobloco nos pacientes com Síndrome de Crouzon foi apresentado em 1976 no Congresso Ibero-Latino-Americano em Quito (Equador). Esta constituiu-se em importante modificação técnica idealizada quase que concomitantemente por Fernando Ortiz-Monastério que a popularizou. Da mesma forma o Dr. Psillakis começou a desenvolver importante trabalho de enxertia óssea de calota craniana com a técnica de bipartição para reconstrução craniofacial, e publicou no Plastic and Reconstructive Surgery no ano de 1979. Publicação européia na mesma época, versando sobre o mesmo tema, seria realizada por Paul Tessier.
Como se sabe, e isto ocorre em diferentes profissões, muitas técnicas são desenvolvidas concomitantemente em diferentes partes do mundo, com resultados e conclusões semelhantes, ficando com o mérito da descoberta aquele que primeiro publica e o faz em revista indexada com grande penetração científica. Este fato ocorreu com freqüência neste período de enorme desenvolvimento da cirurgia craniomaxilofacial.
Vários trabalhos nos anos 80 seriam realizados por Dr. Psillakis e seus residentes como os de retalhos vascularizados de crânio e gálea para reconstrução craniofacial (mereceu prêmio em Congresso Internacional de Cirurgia Plástica); modificações técnicas de osteotomias maxilares (com auto-estabilidade, para Síndrome de Binder); osteotomia naso-frontal para meningoencefalocele nasoetmoidal; modificação da técnica de Tessier para o hiperteleorbitismo (com manutenção de um T central) e os trabalhos pioneiros de cirurgia estética craniofacial como a ritidoplastia subperiosteal.
Edgard Alves Costa, nasceu em 21 de fevereiro de 1934 na cidade de Niterói (RJ) e formou-se em Odontologia pela Faculdade de Farmácia e Odontologia do Rio de Janeiro, situada em Niterói, no ano de 1959, tendo iniciado sua vida profissional com atividades em Cirurgia Oral Menor e Prótese. Logo após sua formatura, Dr. Edgard iniciou atividade acadêmica como Professor de Cirurgia nesta mesma Escola.
Apesar de seu enorme interesse pela Cirurgia, os conhecimentos do Dr. Edgard eram muito limitados, já que o ensino nesta área específica era muito deficiente. Livros-texto como os de Dingman & Natvig; Kazanjian & Converse; e Thoma, K.; foram se constituindo na única forma de se adquirir conhecimentos avançados de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, que começavam a se consolidar nos Estados Unidos e em alguns países da Europa como França, Inglaterra e Alemanha.
No ano de 1961 Dr. Edgard conheceria num momento de lazer um jovem médico, Ronaldo Pontes, que também residia em Niterói, e fazia treinamento em Cirurgia Plástica com o Prof. Ivo Pitanguy. Tornaram-se amigos, tinham praticamente a mesma idade, e Dr. Ronaldo convidou Dr. Edgard a assistir uma cirurgia que iria realizar na semana seguinte no Hospital Universitário Antonio Pedro. Dr. Edgard aceitou o convite, participou desta cirurgia como auxiliar do Dr. Ronaldo, e posteriormente passou a fazê-lo de forma rotineira.
Juntos Dr. Edgard e Dr. Ronaldo começaram a operar também pacientes com fraturas de face que começaram a surgir, e neste particular Dr. Edgard pôde começar a exibir todo o seu talento para a cirurgia. O primeiro caso, lembra Dr. Edgard, foi o de um paciente com fratura de mandíbula vítima de atropelamento, e os ensinamentos dos livros foram de enorme valia na decisão sobre a estratégia cirúrgica. O bloqueio inter-maxilar foi realizado com odontossíntese a Kazanjian, e a osteossíntese com fio de aço após perfuração com máquina manual e broca fina.
Dr. Edgard teria oportunidade também de participar com Dr. Ronaldo Pontes no atendimento às centenas de pacientes vítimas do incêndio no Gran Circus Norte-Americano no dia 17 de dezembro de 1961, em Niterói. Este atendimento que envolveu inúmeros procedimentos de enxertias de pele e curativos sob anestesia geral aconteceram no Hospital Universitário Antonio Pedro e no Hospital Infantil Getúlio Vargas. A paixão pela cirurgia reparadora crescia cada vez mais.
Foto de atendimento às vítimas do incêndio (dez/61)
Através do Dr. Ronaldo Pontes, Dr. Edgard conheceria o Prof. Ivo Pitanguy pessoalmente durante palestra do ilustre cirurgião plástico sobre o tema Fissuras Lábio-Palatais no ano seguinte. Pouco tempo depois, neste mesmo ano de 1962, Dr. Edgard receberia um convite do Prof. Ivo Pitanguy para conhecer o Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia, na 38ª. Enfermaria, que se encontrava em plena atividade há cerca de sete anos, e aprópria Clínica Ivo Pitanguy que seria inaugurada no ano seguinte (1963).
Os primeiros pacientes do Prof. Pitanguy operados pelo Dr. Edgard foram portadores de prognatismo mandibular e de fraturas de face. A partir deste momento Dr. Edgard veria rotineiramente pacientes com deformidades congênitas e adquiridas do esqueleto facial por indicação do Prof. Pitanguy que se impressionou com a habilidade cirúrgica daquele jovem cirurgião-dentista e o estimulou a fazer Medicina.
Edgard Costa que já havia sido o primeiro lugar no vestibular de Odontologia, passou em quinto lugar no vestibular de Medicina para a Universidade Gama Filho. Esta seria a primeira turma de Medicina desta Universidade, turma esta que viria a se formar no ano de 1969. Edgard Costa pediu, entretanto, transferência para a Universidade Federal Fluminense, o que o obrigou a cumprir sete anos de graduação e formar-se no ano de 1970 por aquela faculdade. Durante este período, Dr. Edgard Costa via pacientes e operava no final da tarde ou aos sábados (nos quais trabalhava o dia inteiro).
Ele dominou com ciência e criatividade a área de fraturas de face e desenvolveu inúmeras técnicas em traumatologia. Seu conhecimento sobre fisiopatologia das fraturas de face sempre surpreendeu mesmo aos cirurgiões mais experientes, obrigando-os a rever conceitos de tratamento. Desde 1962, por exemplo, com base nos ensinamentos de Dingman e Natvig no famoso livro “Surgery of Facial Fractures”, Edgard Costa desenvolveu com habilidade ímpar a técnica de redução aberta das fraturas condílicas e osteossíntese a fio de aço. Foi também no início dos anos 60 que ele desenvolveu capacete de fixação esquelética para imobilização de fraturas no terço médio da face, modificando o descrito por Crawford e que evoluiria para aquele que viria a ser denominado Capacete de Costa-Pitanguy em meados dos anos 70.
Dr. Edgard Costa fundou uma escola no Rio de Janeiro, dentro do Serviço de Cirurgia Crânio-Facial que foi criado na Beneficência Portuguesa de Niterói. O convite veio no ano de 1969, as obras no hospital se estenderam por mais de três anos, e o Serviço foi iniciado efetivamente no início do ano de 1973. Lá o Dr. Edgard vem formando cirurgiões na especialidade há trinta anos, com o mérito de ser o centro de treinamento em atividade há mais tempo no nosso país, sem qualquer interrupção.
Dr. Edgard Alves Costa
Silvio Antonio Zanini, nasceu no dia 10 de fevereiro de 1938 e formou-se em Odontologia pela PUC-RS no ano de 1962. Tendo sido o primeiro colocado na cadeira de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, foi indicado para fazer estágio neste Setor do Hospital de Pronto-Socorro Municipal de Porto Alegre, tendo posteriormente sido aprovado em concurso para fazer parte do quadro deste Hospital.
Dr. Silvio Antonio Zanini
Posteriormente o Prof. Zanini graduou-se em Medicina no ano de 1970 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tendo se especializado em Cirurgia Plástica no Serviço do Prof. Antonio Estima. Anteriormente Dr. Zanini fez estágio em várias especialidades como Otorrinolaringologia, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Terapia Intensiva e Neurocirurgia. O interesse pela Cirurgia Craniofacial veio naturalmente com a relação profissional que passou a ter com especialistas em Traumatologia e Neurocirurgia. Foi professor do Curso de Mestrado em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da PUC-RS; Fundador e Responsável pelo Serviço de Cirurgia Craniofacial do Hospital de Neurocirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre; e Diretor do Instituto de Cirurgia Craniofacial de Porto Alegre.
Em 1973 Dr. Zanini possuía dois pacientes, um com Síndrome de Crouzon e outro com hiperteleorbitismo, que o fizeram procurar o Dr. Jorge Psillakis em São Paulo. Juntos operaram os casos e com Dr Psillakis aprendeu as técnicas intra-cranianas de Cirurgia Craniofacial. Em contrapartida Dr Psillakis relata ter aprendido muito com Dr. Zanini as técnicas de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial.
Foi o Dr. Zanini também que apresentou Dr. Psillakis ao Dr. Edgard Costa (residente no Rio de Janeiro e grande nome da traumatologia de face na época), sendo, por este motivo, considerado como o grande catalisador do processo que iniciou o desenvolvimento da Cirurgia Craniofacial em nosso país através de reuniões científicas que se iniciaram em 1974.
Em agosto de 1989, convidado pela Direção de um dos mais importantes centros de tratamento de fissurados, o Centrinho de Bauru, Dr Zanini planejou e criou a Unidade de Cirurgia Craniofacial. Naquela oportunidade o Hospital de Lesões Lábio-Palatais transformou-se em um Centro (Hospital de Reabilitação) de Anomalias Craniofaciais. As atividades desenvolvidas pela equipe de Cirurgia Craniofacial foram organizadas em módulos, com duração de uma semana, a avaliação é contínua e ao fim de cada módulo faz-se uma análise global.
Sobre êle, Psillakis escreveu: “Silvio Zanini à semelhança de Paul Tessier, se entregou de corpo, mente e alma a essa especialidade tornando-a a paixão da sua vida profissional. Com sua criatividade e dedicação contribuiu com técnicas, que não só simplificaram, mas também melhoraram os resultados finais dos pacientes. Seu entusiasmo influenciou a formação de muitos, hoje líderes em seus estados; e ainda continua a contagiar muitos médicos a seguirem esta difícil especialidade. É um líder entre os jovens aos quais sempre estimula.”
Melchiades Cardoso de Oliveira nasceu na cidade de Cedral (SP), no dia 22 de março de 1926. Formado pela Faculdade Nacional de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1952, fez residência em Cirurgia Geral no Baltimore City Hospital, em Maryland (EUA) nos anos de 1953 e 1954.
Retornando ao Brasil estabeleceu-se em São José do Rio Preto (SP), trabalhando na Santa Casa de Misericórdia como Cirurgião Geral. Logo em seguida começou a exercer a Cirurgia Plástica (1956), ocupando o cargo de Chefe do Serviço do qual foi o fundador. Criou também a Clínica de Cirurgia Plástica de São José do Rio Preto, no centro da cidade, atendendo pacientes de toda a região, desenvolvendo um serviço que atendia grande número de pacientes portadores de fraturas de face e deformidades congênitas como o prognatismo.
Deve-se ao grande entusiasmo do Dr. Melchiades demonstrada na organização de reuniões científicas sobre o tema, e em vários trabalhos publicados (em especial sobre traumatologia de face), uma grande contribuição para o desenvolvimento da especialidade em nosso país. Dr. Melchiades participou ativamente desde as primeiras reuniões sobre Cirurgia Crânio-Facial, organizadas por um pequeno e seleto número de cirurgiões da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica no início dos anos 70.
Dr. Melchiades foi Tesoureiro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e posteriormente seu ilustre Presidente no biênio 83/84, além do que foi Membro Fundador de Capítulos como o de Queimados e de Cirurgia Craniofacial, e pioneiro da Cirurgia Plástica no interior paulista dedicando 40 anos de sua vida profissional à medicina de São José do Rio Preto, onde veio a falecer no mês de junho de 1997.
José Marcos Melega formou-se em Medicina pela Escola Paulista de Medicina, tendo realizado sua Residência em Cirurgia Geral no Hospital Santa Cruz com seu ilustre pai – o Prof. Henrique Mélega. Segundo o cirurgião plástico Raul Loeb, “o Dr. Henrique Mélega ajudava bastante os colegas mais jovens para que se integrassem no bom conhecimento da cirurgia geral…”
Posteriormente Dr. José Melega fez sua Residência em Cirurgia Plástica no Hospital dos Defeitos da Face, tendo sido um dos primeiros residentes do Prof. Paulo de Castro Correa. Ainda em sua formação profissional a nível de pó-graduação, Dr. José Marcos Melega foi Visiting Fellow com os professores John Marquis Converse (USA) e Ivo Pitanguy (RJ).
A partir de 1970 o Dr. José Marcos Melega reestruturou o Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Santa Cruz e teve a visão de organizar equipe multidisciplinar com especialistas na área de Odontologia (Dr. Ralf Rode, Dra. Lucy Dalva Lopes) e, posteriormente, também na área de Fonoaudiologia com a Fga. Lídia D’Agostino.
Por volta do ano de 1976 Dr. Melega aproximou-se do Dr. Jorge Psillakis em Reuniões Científicas que deram grande impulso à especialidade no nosso país. Estas reuniões tornaram-se rotineiras a partir do ano de 1974 e a partir daí iniciou-se uma etapa de grande desenvolvimento que perdurou até o ano de 1986, e seu fórum inicial foram os Congressos Brasileiros de Cirurgia Plástica e outras Jornadas da especialidade organizadas pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Segundo o testemunho do Dr. Zanini, “um clima de amizade e respeito imperava entre todos, apesar das discussões muito acirradas sobre as técnicas apresentadas. As críticas eram contundentes e feitas com franqueza; todas eram naturalmente construtivas, devido ao fato de o objetivo maior ser a evolução da especialidade …”
Estas acaloradas (porém respeitosas) reuniões científicas contavam desde o seu início com a presença de Oswaldo de Castro, Jorge Psillakis, Edgard Costa, Silvio Zanini, José Marcos Melega, Melchiades Cardoso de Oliveira, entre outros. Vários residentes destes ilustres cirurgiões, entusiasmados com a especialidade, aprenderam nestas reuniões a se encontrar para apresentar a experiência de seus respectivos Serviços, e discutir novas técnicas cirúrgicas e resultados de tratamentos. Outros ainda, viriam de sua formação paralela para contribuir enormemente com a especialidade.
Alberto Tadeu Luiz, Diógenes Rocha, Fausto Viterbo, Gilvani Azor Cruz, José Carlos Ferreira, Luiz Carlos Manganello de Souza, Luiz Francisco da Fontoura, Mariângela Santiago, Nivaldo Alonso, Paulo Mateó Santana, Paulo Hvenegaard, Paulo Roberto Mello Gomes, Ricardo Lopes da Cruz, Roberto Godoy (neurocirurgião), Sérgio Moreira da Costa e Vera Cardim, foram alguns daqueles que, durante os anos 80, estiveram presentes nestas reuniões, de onde nasceu o Capítulo de Cirurgia Craniofacial da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Cássio Menezes Raposo do Amaral, fez sua especialização em Cirurgia Plástica na França no início dos anos 70. Retornou ao Brasil em 1975 e desde então iniciou trabalho de uma forma multidisciplinar no atendimento ao paciente deformado de face, na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Ainda em 1975 houve a visita do Dr. Joseph McCarthy, atual Chefe do Institute of reconstructive Plastic Surgery of the New York University Medica Center, quando foi realizado o I Curso Internacional de Cirurgia Crânio-Facial da UNICAMP, com a presença de mais de uma centena de cirurgiões. Neste I Curso foram programadas as primeiras cirurgias craniofaciais realizadas em Campinas (SP), que contaram com a presença também de professores do Departamento de Neurocirurgia da Universidade de São Paulo.
Dr. Cássio Menezes Raposo do Amaral
No ano seguinte, 1976, Dr. Cássio já organizara melhor equipe multi e inter-disciplinar para o tratamento do deformado crânio-facial e iniciou procedimentos cirúrgicos utilizando a via intra-craniana. Neste ano foi organizado o II Curso que já contou com a presença de duzentos e cinqüenta profissionais. Os convidados estrangeiros foram o cirurgião plástico Donald WoodSmith e o ortodontista Peter Coccaro, ambos do Institute of Reconstructive Plastic Surgery of the New York Medical Center; além de Kitaro Ohmori do Metropolitan Police Medical Center, do Japão. Neste curso, além da parte teórica, foram realizadas quatro grandes cirurgias, transmitidas diretamente para o auditório.
O terceiro Curso aconteceu no ano de 1978 e o convidado foi Henry Kawamoto, da University of Califórnia at Los Angeles (UCLA) que realizou conferencias, consulta a pacientes selecionados e cirurgias
A criação da Sociedade Brasileira de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Crânio-Facial (SOBRAPAR) era um sonho alimentado por Dr. Cássio Amaral desde o seu retorno ao Brasil. Ele já realizava pesquisas clínicas e experimentais em associação com outros Departamentos de várias Instituições no Brasil e no exterior e sabia das enormes dificuldades existentes no país. Foi assim que em 1979 o Dr. Cássio concretizou este projeto e criou a SOBRAPAR, com fins de assistência, pesquisa e ensino, que foi inaugurada com a presença do Dr. John Marquis Converse (foto abaixo), na época Chefe do Institute of Reconstructive Plastic Surgery do New York University Medical Center e Presidente da Society for the Rehabilitation of Facially Desfigured, considerado por muitos expoente máximo da Cirurgia Plástica Norte-Americana.
Dr. John Marquis Converse
Neste ano (1979) a IV Jornada contou mais uma vez com a presença do Dr. Kawamoto, e também do Dr. Anthony Wolfe da University of Miami. O Prof. Converse, em cerimônia ocorrida no dia 01 de março de 1979, cortou a faixa simbólica que abriu as portas da SOBRAPAR a um importante trabalho que se iniciava.
Estes simpósios repetiram-se periodicamente na década de 80 e trouxeram ao Brasil os mais destacados especialistas em Cirurgia Craniofacial do mundo. A maior integração internacional foi realizada, portanto, com centros de Cirurgia Craniofacial em Paris, Los Angeles, Miami e Nova Iorque. Sem dúvida foi o Dr. Cássio que com estas iniciativas permitiu a possibilidade de que professores e residentes do Brasil tivessem um estreito intercâmbio com grandes centros mundiais de Cirurgia Craniofacial do exterior.
A V Jornada no ano de 1980 foi histórica, pois ocorreu com a presença de Paul Tessier (na sua terceira vinda ao Brasil), e mais uma vez dos Drs. Kawamoto e Wolfe. Nesta oportunidade foram examinados trinta e oito pacientes, ministradas onze conferências e operados oito pacientes em cirurgias com duração média de sete horas cada uma. A partir da VI Jornada, no ano de 1981, o encontro científico, que adquiriu enorme vulto no final dos anos 70, passou a denominar-se Simpósio Internacional de Cirurgia Plástica, e nesta oportunidade foram examinados cinqüenta e dois pacientes, ministradas vinte conferências e operados treze pacientes. Em 1983, no VII Simpósio, foram examinados sessenta e cinco pacientes, ministradas dezesseis conferências e operados seis pacientes.
Para que a SOBRAPAR pudesse incluir um Centro Hospitalar autônomo, foi iniciada uma verdadeira peregrinação por fundações e instituições nacionais e estrangeiras à procura de auxílio, o que foi finalmente conseguido por intermédio da Lateinamerika Zentrum, sediada em Bonn (Alemanha Ocidental), cujo presidente, Sr. Hermann Goergen, era o coordenador dos projetos de cooperação para os países da América Latina, e sensibilizou-se com a proposta apresentada pelo Dr. Cássio.
O local escolhido foi próximo ao Campus da UNICAMP, e com a ajuda do sr Abraham Kasinski, Diretor-Presidente do grupo COFAP, e Presidente de Honra da SOBRAPAR, foi adquirida uma ampla área para a construção do Centro de Cirurgia Plástica Craniofacial nos limites da Cidade Universitária Zeferino Vaz. A obra iniciou-se em 1988, teve seu ambulatório inaugurado em fevereiro de 1990 e finalmente, no dia 20 de fevereiro de 1991, foi realizada a primeira cirurgia no hospital da SOBRAPAR que foi denominado Hospital de Cirurgia Plástica Craniofacial.
A SOBRAPAR, que foi construída em um terreno de sete mil metros quadrados constitui-se em um dos maiores pólos de desenvolvimento da especialidade em nosso país, incluindo setores de Cirurgia Plástica, Ortodontia, Psicologia, Fonoaudiologia, Informática, Neurologia, Genética, Pediatria e Prótese Buço-Maxilo-Facial, e passando a ser o maior projeto da Lateinamerika Zentrum da Comunidade Econômica Européia na América do sul.
Bibliografia
Loeb, R. História da Cirurgia Plástica Brasileira, Ed. Medsi, 1993
Psillakis, JM; Zanini, AS; Melega JM; Costa, EA; Cruz RL. Cirurgia Craniomaxilofacial: Osteotomias estéticas da face. Medsi, 1987